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Arte criada por Rudi Guimarães, por via do Canva. |
É conhecido o facto da população brasileira ser maioritariamente descendente de portugueses, principalmente devido a colonização lusitana, que forjou o Estado Nacional conhecido hoje como Brasil. No entanto, poucos sabem que uma quantidade substancial destes portugueses eram de origem judaica, que convertidos a força ao cristianismo, preferiram se mudar para localidades onde encontrar-se-iam mais seguros das garras da Inquisição Portuguesa; contudo, antes de entrarmos nas relações do povoamento de Mato Grosso do Sul e os descendentes dos sefarditas, vamos primeiro contextualizar essa imigração colonial desde o seu princípio.
JUDEUS NA PENÍNSULA IBÉRICA
Após sucessivas revoltas judaicas contra o Império Romano, em busca da libertação da Judeia e sua autonomia, o poder Imperial decidiu esvaziar a Terra de Israel e espalhar os seus nativos pelo Mediterrâneo, vendendo-os como escravos. Essa dispersão resultou na criação e multiplicação de comunidades hebraicas pelo território ocupado por Roma, o que incluem a Península Ibérica, onde se formariam futuramente os países de Portugal e Espanha. Essa comunidade desenvolveria escolas religiosas e costumes a parte na Diáspora, e ficaria conhecida como Sefarad, nome hebraico para a Hispânia Romana.
A outras comunidades de exilados, também se distinguiriam em nomes ligados as suas localidades, por exemplo, os judeus exilados na região do Reno, actual Alemanha, ficaram conhecidos como Ashkenazim. Enquanto que os judeus que instalaram-se no Norte de África e Médio Oriente, são comummente chamados de Mizrahim, orientais, que são mais próximos culturalmente dos árabes e magrebinos.
Em relação a Península Ibérica, ela viu a dissolução do Império Romano e o surgimento de monarquias germânicas com os suevos e visigodos, que por motivos internos, vieram decair tempos mais tarde, sendo dominadas por líderes islâmicos vindos do Norte de África. Por muitos séculos, a região geográfica ficou dividida com uma maior parte nas mãos dos muçulmanos, enquanto que uma faixa ao norte, as Astúrias, ficou sob comando cristão. Esse reduto com o tempo multiplicou-se em outras monarquias, que marcharam em direção a conquista dos territórios de seus rivais maometanos. Esse período histórico é na maioria das vezes referenciado como Reconquista Cristã.
Em todo este período a comunidade judaica foi influente e próspera, transitando-se por entre as fronteiras, conforme os regimes se endureciam ou se flexibilizaram em relação com os seus hebreus. A princípio, a dominação islâmica tornou-se benéfico para os judeus, constrastando-se com os Visigodos, que adotaram um discurso antissemita, baseando-se em pontos de vistas de cunho religioso e étnico. Entretanto, conforme se alteravam dinastias árabes, mudava também a visão de se como devia lidar com os judeus e os cristãos sob seu jugo, com a ascenção de monarcas muçulmanos anti-judaicos, que impulsionaram a migração hebraica para o norte cristão.
Muitos judeus eram artesãos, astrónomos, conhecedores de várias línguas, realizando comércio e intercâmbio cultural, importantíssimos para o desenvolvimento daquelas monarquias. Inclusive, tais comunidades eram autónomas e protegidas pelos reis, que tiravam proveito de sua importância económica. Através de casamentos dinásticos, muitos reinos cristãos unir-se-iam formando a atual Espanha que terminaria de anexar todos os territórios mouriscos. Portugal, que formou-se a partir de um Condado leonês, também avançou sob os reinos islâmicos que faziam fronteira consigo, anexando-os e uniformizando-os culturalmente, antes mesmo de Castela, expandindo a língua portuguesa e o catolicismo.
Doravante aos acontecimentos relatados, começou-se a espalhar pensamentos de cunho antissemita, principalmente impulsionados por missionários cristãos que pretendiam converter judeus e mouros. Inclusive, isso aconteceu de forma mais contundente em Espanha. Já Portugal, tais movimentos se resumiram em acontecimentos esporádicos de menor impacto. No entanto, não impediu-se que ambas as monarquias começassem a pensar em tornar homogénea a população, utilizando-se da religião e da língua, moldando precocemente as suas identidades nacionais.
Esse processo de homogeneização, tinha o objetivo de unir todo o território numa cabeça coroada, tendência que vinha se apresentando desde muitos séculos atrás. Fernando de Aragão e Isabel de Castela, é um bom exemplo, ao se casarem uniram duas importantes monarquias ibéricas, restando-se apenas Portugal como reino a parte na região. Dom Fernando e Dona Isabel, como majestades católicas, decidiram após conquistador o último potentado mouro, converter a todos os seus súditos no cristianismo, dando-lhes a alternativa de se ir embora.
No caso espanhol, promulgou-se a 31 de Março de 1492, a expulsão dos judeus e muçulmanos, com muitos dos hebreus optando pela conversão, enquanto metade da comunidade mudou-se para dois destinos preferencialmente: Portugal, por sua proximidade geográfica e relativa tolerância, e o Império Otomano, por lá tolerar-se o judaísmo, além de ter em mãos a Judeia e Jerusalém. No caso do reino vizinho, supõe-se que se absorveu cerca de 90.000 israelitas, que concentraram-se principalmente na Raia, com destaques para Trás-os-Montes e as Beiras, aumentado em muito a população judaica no país.
*Presume-se, portanto, que 1/10 da população portuguesa era judia no momento, vivendo por todo o país. Nesse interim, ascendeu ao Trono Português, o rei Dom Manuel I, que era visto como próximo a cortesãos judeus, gozando de relativo bom relacionamento. No entanto, motivado pelos desejo de unir dos reinos peninsulares sobre liderança de Lisboa, com Portugal sendo cabeça da Península, buscou se casar com a herdeira dos Tronos Aragonês e Castelhano. Sendo já consensual a ideia de constituir um Império uno na região, com os Reis Católicos de acordo, com a condição do monarca português expulsar a todos os hebreus e mouriscos do seu território, convertendo-o num país 100% cristão.
Da mesma forma que seus homónimos fizeram, Dom Manuel I preparou um decreto para a expulsão dos ''infiéis'' do país, assinando-o no dia 5 de Dezembro de 1496, com o prazo estipulado de três meses com determinadas condições para os que não optassem pela conversão ao Cristianismo, como única forma de continuarem a viver no país. Todavia, não era do seu interesse a saída de um povo tão importante para o funcionamento de Portugal, em plena época de expansão marítima e territorial, com a conquista de várias localidades no além-mar. Com isto, logrou-se uma estratégia com vista em impedir a debandada massiva desse capital humano essencial, encurralando-os e convertendo-os a força ao cristianismo.
Esses conversos, chamados a partir de então de cristãos-novos, eram proibidos de sair do reino sem sua permissão, tendo muito deles ocultando o seu judaísmo para dentro de suas casas, levando o seu sucessor pedir a Santa Sé a instalação de um Tribunal Inquisitorial no país, para julgar e punir os ''falsos cristãos''. O resultado foi o êxodo de muitos para outras localidades, tendo alguns chegados ao Norte da Europa, estabelecendo-se em Amesterdão, Londres e Hamburgo, retornando para a seu povo através de conversões ou pelo arrependimento de forma oficial.
CONSEQUÊNCIAS NO BRASIL PORTUGUÊS
No mesmo reinado, os portugueses chegaram ao litoral oriental da América do Sul, conquistando e colonizando-o, nomeando-o como Brasil. De início, foram poucos os portugueses dispostos a aventurarem-se no Novo Mundo, com D. João III decidindo dividir o território em parcelas que ficariam sob encargo de donatários, na maioria fidalgos fiéis a Coroa. Tal iniciativa, logrou sucesso apenas em duas das várias, sendo mais precisamente os casos de São Vicente e Pernambuco, cujo aumentou da população europeia era notório, resultando em uma intensa miscigenação com tribos indígenas aliadas.
É nesse período que chegaram os primeiros cristãos-novos, que como os demais portugueses, converteram-se em desbravadores, fundando fazendas e cidades pelo interior adentro. No nosso caso em questão, abordaremos São Paulo e Minas Gerais, localidades-chaves para o povoamento de Mato Grosso do Sul. Por isso mesmo, entraremos na questão dos Bandeirantes, pois muitos de nossos desbravadores são seus descendentes genéticos e ideológicos, sendo ambos percursores do processo civilizatório europeu no Brasil.
São Vicente e São Paulo, a par de Pernambuco, conseguiram êxito na colonização, mas ao contrário da homónima, essa prosperidade deu-se por via do comércio e escravização de nativos por colonos, desenvolvendo-se a atividade económica de incursões pelo interior, conhecidas como Bandeiras. Haviam de facto, variados tipos de bandeiras, com algumas delas focadas no aprisionamento de indígenas, outras para explorar a área e buscar metais preciosos. Nossos bravos desbravadores descendiam de alguns com renome na história, como são os casos de Antônio Raposo Tavares, Antônio Carneiro Bicudo, Pedro Vaz de Barros, Fernão Dias, dentre outros.
O primeiro, era filho de uma cristã-nova com um cristão-velho, nascido no Alentejo, que possivelmente teve a sua infância marcada pelo ambiente persecutório resultado da Inquisição Portuguesa, levando a falecida investigadora Anita Novinsky concluir que isso o teria influenciado em suas ações contra as reduções jesuíticas. Raposo Tavares, nome de uma importante Autoestrada paulista, explorou o interior do Brasil, incluindo ao Mato Grosso do Sul, chegando mesmo a alcançar a Amazónia. Entretanto, que chamou a atenção de muitos dos historiadores especializados na história judaica do Brasil, é a sua resposta a dois padres jesuítas, quando questionado o porque de queimar uma Igreja em Itatim, no Paraguai. Resposta essa, que surpreendentemente foi ''em nome da Lei de Moisés''.
Tal atitude, acompanhada de outras, levanta a tese de que muitos bandeirantes eram belicosos com os jesuítas, motivados pelo facto de muitos de seus parentes padecerem em cárceres da inquisição. Outro caso emblemático, é o de Pedro Vaz de Barros, cuja irmã Lucrécia Pedroso, recebeu condenação por crime de ''judaísmo'' em Évora. Apesar disso, também encontramos casos de ocultação desta identidade, tendo-se como exemplo, a família Bicudo, que por muito tempo acreditou-se ser de origem fidalga, descobrindo-se depois que na realidade tratavam-se de judeus que originalmente eram de Lisboa.
DESCENDENTES DOS SEFARDITAS NO MATO GROSSO DO SUL
Todos os três nomes mencionados são ancestrais dos irmãos Garcia Leal, que descendiam de bandeirantes por ambos os lados da família, repetindo-se o mesmo para famílias aparentadas, como é o caso dos Nogueira, Camargo e Corrêa Neves. Apesar da aparência muito europeia destas famílias, corriam em seu sangue origem levantina por via dos seus ancestrais sefarditas e, possivelmente, influência cultural, que devido a distância do tempo, nos é difícil pontuá-las. Sabemos, que alguns fazendeiros tinham a crença de que Jesus tinha sido na realidade filho de um soldado romano, opinião constada no livro de Controvérsia Judaico-cristã Todedoth Yeshu, para além de enterros com corpos envolto de lençóis brancos, em uma região em que a abundância de madeira e de recursos da ditas famílias, não impunha nenhuma dificuldade para se fazer caixões, como é na tradição cristã.
Mas talvez, o caso mais paradigmático tenha ocorrido com o fundador de Três Lagoas, Antônio Trajano Pereira dos Santos, que em uma festa de casamento de dois netos seus, realizou um antigo costume de olhar para sua sombra sob a luz de um candeeiro na água, para se saber se viveria por mais um ano. Para espanto dele e de outros filhos, o único que não conseguiu ver sua sombra refletida na água, era justamente o abastado fazendeiro. Não obstante, afirmou categoricamente que viria a falecer naquele mesmo dia, sendo contrariado por seu filho Adolfo Pereira dos Santos, que não queria aceitar aquela previsão. Para tristeza de seus familiares, cumpriu-se, conforme o previsto a morte do destacado desbravador, pondo fim a um ritual que era feito anualmente, que segundo os seus descendente, tinha origem nos ''antigos''.
O costume que a primeira vista, parece-nos muito estranho, é a evolução de uma antiga prática mística judaica relacionado com o Rosh Hashanah (Ano Novo Judaico) realizada por alguns judeus. Aliás, prática esta que sobrevive até os dias de hoje, por onde quer que se encontre comunidades hebraicas. Essa fascinante história, é contada por muitos de seus descendentes que testemunharam o facto em 1935, marcando a memória familiar, sendo rememorizada de em geração em geração.
Como bem conhecemos, os Garcia Leal e os Nogueira, entrelaçaram-se com várias famílias, incluindo os Barbosa, Coelho, Sousa, Marques Pereira, Tosta, Azambuja, Ferreira de Mello e Costa Lima, sendo fundamentais para a formação da elite Sul-Matogrossense, além de ter possibilitado a disseminação da pecuária como atividade económica dominante na região. Essa rede de auxílio, constituiu base para muitas das cidades e povoações do Estado, além de resultar no surgimento de vários nomes que marcam presença na história local. Inclusive, muitos políticos de renome, descendem destas famílias, como é o caso do falecido Senador Lúdio Coelho e seu irmão Italívio Coelho.
TESTES GENÉTICOS E PESQUISAS GENEALÓGICAS
Com o surgimento de Testes de Ancestralidade Genética, muitos dos descendentes destas famílias, procuram saber mais sobre as suas raízes portuguesas, encontrando indícios de origem judaica preservadas pela endogâmia destes clãs, que são confirmadas por documentação genealógica. Um dos destacados pesquisadores, é Ronildo Oliveira Garcia, natural de Ribas do Rio Pardo, que desenvolveu muitas pesquisas sobre a ligação dos latifundiários do Bolsão e seus ancestrais judaicos, além de promover os exames de ADN em descendentes dessas dinastias do sertão.
Também não podemos nos esquecer o pioneirismo de Elio Barbosa Garcia, goiano que descende dos Garcia Leal, que realizou um teste para descobrir o Y-ADN da linhagem patrilinear da ilustre família. No entanto, seu enfoque deu-se em reconstruir as redes familiares que deram suporte a instalação e conquistas de terras nos sertões de Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo e Minas Gerais. Em relação com os descendentes de Antônio Trajano dos Santos, fez-se pesquisas em três de seus descendentes, cujos nomes são: Alancardec Teodoro da Fonseca e Ronaldo Antônio Ottoni Costa (bisnetos), e por último, seu trineto Arrudes Ferreira Guimarães.
Os resultados de seus descendentes suportam que apesar da distância de séculos, que ainda existe uma considerável ancestralidade judaica, que ter-se-á mantido através dos casamentos dentro da família. Evidência esta, que é reforçada através do teste feito em Arrudes Guimarães que em comparação com seu primo e tio-avô, tem um peso menor de herança israelita, devido ao seu avô Juscelino Ferreira Guimarães, não pertencer as antigas famílias, em oposição aos outros avós que são todos primos. Já Alancardec e Ronaldo, que ao oposto de Arrudes, tem ancestrais quase todos das famílias citadas, apresentam uma herança maior do Mediterrâneo oriental, além de uma proximidade genética com judeus da Argélia, Tunísia e Itália, comprovando a tese de afunilamento por via da endogamia.
Alguns descendentes das antigas famílias oligárquicas, sabendo de sua condição de descendentes de judeus portugueses, optaram por adquirir a nacionalidade portuguesa, ou mesmo se converter oficialmente ao judaísmo. Esse lado muito pouco explorado da história de Mato Grosso do Sul, demonstra-nos uma outra nuance a ser estudado, o impacto da cultura sefardita em conjunção com os demais elementos da cultura lusitana, na formação da elite de Mato Grosso do Sul.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através de uma análise rápida do tema, levantamos mais questionamentos do que conclusões, por um motivo muito simples, a maioria dos que poderiam servir de testemunhas dos costumes antigos ou mesmo alvo de pesquisas genéticas, já faleceram. Portanto, temos hoje um emaranhado de relatos que conjuntamente do material genealógico, prova-nos uma ligação dos fundadores das linhagens que constituem as mais tradicionais famílias do Mato Grosso do Sul, com os judeus hispano-portugueses. Carecendo , porém, de uma pesquisa mais aprofundada sobre.
Infelizmente, poucos dos que serviriam para uma realização de testes de ancestralidade, se interessam ou aceitam fazer, achando-os desnecessários e sem importância. Alguns poucos que aceitaram submeter-se, vê com desconfiança o acesso aos seus resultados, preferindo uma maior privacidade. É importante, contudo, ressaltar que os exames devem vir acompanhados de genealogia e uso de várias ferramentas, como calculadoras com base em dados de vários povos, para confirmação da dita ascendência e sua continuidade. Do contrário, sem a devida análise, seus resultados tornam-se obsoletos, e por vezes, até mesmo contraditórios.
Para este artigo, utilizamos testes de pessoas que se prontificaram anos atrás serem testadas, tendo-se, porém o cuidado de não divulgar resultados precisos por motivos de privacidade.
Além de nomes que a nós é conhecido pela história de Três Lagoas e região, frisamos os seus descendentes que pelo Mato Grosso do Sul, carregaram o seu legado histórico, como são os casos do Laucídio de Souza Coelho, Manuel da Costa Lima e da Francelina Garcia Leal, além de muitos pecuaristas e fundadores de cidades e fazendas, que não caberiam aqui de tantos que se enumeram. Com isto, aprendemos que somada a típica raiz portuguesa e católica, temos também como ancestrais de nossas figuras de relevo, judeus que muitas das vezes não escolheram abraçar o cristianismo, que mudando-se para o Brasil, ajudaram a construir um novo país.
FONTES:
- Nobiliarquia Paulistana.
- Genealogia Paulistana.
- Desbravadores de Sertões. Élio Barbosa Garcia.
- Relatos orais de João Ferreira Guimarães e Adelaide Teodora dos Santos.
- Colaboração do finado Alancardec Teodoro da Fonseca, Arrudes Ferreira Guimarães e de Ronaldo A. Ottoni Costa, os nossos mais sinceros agradecimentos pela testagem de seus respectivos ADN.
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