ANTÔNIA FERREIRA DE MELLO - MATRIARCA DA FAMÍLIA GUIMARÃES
Antônia Ferreira de Mello (5 de Novembro de 1906, Arapuá, Três Lagoas - 2 de Julho de 1994, Três Lagoas), foi uma criadora de gado vacum sul-mato-grossense, que junto de seu marido Juscelino Ferreira Guimarães, doou parte de terras para a criação do distrito do Pouso Alto, localizada na cidade de Paraíso das Águas. Sua família já estava há muitas décadas no leste do então sul de Mato Grosso, destacando-se na criação de bovinos e no desbravamento da região, fundando cidades e localidades importantes.
Nascida nas proximidades do atual distrito de Arapuá, na cidade de Três Lagoas, em propriedade da sua família paterna. Era filha de Mizael Ferreira de Mello e Olímpia Pereira dos Santos, primos, que pertenciam a um renomado ramo de pecuaristas que decidiram seguir o seu caminho para o sul de Paranaíba, após o fim da Guerra do Paraguai. Seus avós paternos eram Antônio Paulino da Costa e Maria Rita de Mello, ambos primos de primeiro grau, filhos respetivamente de Agostinho Paulino da Costa e Severina Maria de Mello, enquanto Rita, tinha como pais Rafael Ferreira de Mello e Elena Antônia da Conceição. Já sua mãe Olímpia, era filha de Antônio Trajano dos Santos e Maria Lucinda de Freitas, o primeiro era mineiro de Ventania, fundador da cidade de Três Lagoas, cujo os pais eram Antônio Pereira dos Santos e Francisca Rosa de Azevedo, em contrapartida, Lucinda era filha de Anicézio Ferreira de Mello e Laura Garcia de Freitas, o primeiro nascido em Franca, São Paulo, e a segunda em Mato Grosso do Sul.
Por via de sua bisavó Laura Garcia de Freitas, descendia do Alferes Januário Garcia Leal, um dos fundadores da cidade de Paranaíba. Localidade que destacou-se como polo de expedições para o desbravamento do então sul de Mato Grosso, desempenhando um papel fundamental na expansão da pecuária na região. Essas relações familiares explicam muito bem a vida de "Tônica", alcunha pelo qual carinhosamente era chamada pela família e seus conhecidos.
Portanto, não é de se estranhar que ela tenha nascido em uma grande fazenda de criação de gado, herança da família paterna, localizada nas proximidades de onde hoje é o distrito de Arapuá, município de Três Lagoas. Seu pai, Mizael, foi proprietário de várias posses e junto da sua criadagem, abriu e formou muitos pastos para criação bovina, sendo também criador de éguas, importantes para o comércio da região, devido a sua resistência. Graças a todo esse empenho, conseguiu multiplicar muito a sua herança, tornando-se um fazendeiro abastado.
Segundo relatos da família, o casal Mizael e Olímpia, eram harmoniosos e pessoas muito boas, quer seja com familiares, amigos, como também com os seus empregados, procurando sempre a justiça. Juntos tiveram seis filhos: Antônia, Lázara, Batistina, Leonor, Isabel e Jorge, que seriam no futuro grandes proprietários de terras. No entanto, em 21 de Abril de 1918, falece a mãe de Tônica, causando profunda tristeza em seu pai, que dois anos depois, no dia 3 de Março de 1920, cai na presença de seus funcionários sem conseguir socorro a tempo, indo a óbito por problemas no coração.
Os bens deixados passaram a ser administrados pelo avô materno de Antônia, o Coronel Antônio Trajano, que tratou de cuidadosamente gerir o património, enquanto a sua esposa, Maria Lucinda, cuidava dos netos. Ela e suas irmãs casaram ainda muito cedo, sua irmã Lázara casou-se com o gaúcho Fidelis Lacerda Ramos, enquanto Tônica celebrou em Bahus seu casamento com o goiano Juscelino Ferreira Guimarães; já Leonor Ferreira de Mello, uniu-se com o seu primo Areolino Ferreira Ottoni, repetindo-se o mesmo com Batistina, que casa-se com o seu parente, Dirceu Leal de Azambuja. Isabel, infelizmente, falece ainda muito cedo, sem poder se casar, ao contrário de Lázara Costa, que deixa descendentes, mesmo indo a óbito precocemente.
Seu noivado e casamento com um homem mais velho e viúvo, foi uma surpresa, pois ela inicialmente não gostava de Juscelino, que venceu a resistência através da persistência em mostrar o seu lado positivo. Reconhecendo, entretanto, suas qualidades, aceitou unir-se em matrimónio com o aventureiro goiano, cujas informações de sua família, sabiam muito pouco. Aliás, ele era conhecido pela sua coragem, força e determinação, demonstradas durante o seu primeiro casamento, e no trabalho diário com o gado, que levava de um lado para o outro, em longas viagens pelo sertão brasileiro.
Com a união, Juscelino procurou administrar os bens de sua esposa, portanto, a Fazenda Barra Mansa e o seu processo de requerimento, que sofreu negativas por interferência da família do Senador Vitorino Monteiro. Ultrapassada estas dificuldades, decidiram juntos se mudarem para perto da família materna, no Alto Sucuriú, onde adquiriram em 14 de janeiro de 1925 a posse da Fazenda Pouso Alto, requerendo-a definitivamente.
Quando definitivamente foram residir na nova aquisição, já tinham um filho de nome João, nascido na fazenda anterior. Portanto, tendo os demais filhos na nova propriedade, que era muito extensa, própria para a criação de um grande rebanho bovino. Para tal, Juscelino dispôs-se a continuar a viajar e negociar touros, enquanto Antônia ficava sozinha com os criados na fazenda a cuidar de seus filhos. Como uma mulher da época, inicialmente, intrometia-se muito pouco nos negócios, deixando tudo a cargo do seu marido.
A princípio, constituiu uma sólida parceria com o ex-boiadeiro Cacildo Arantes, que enriqueceu muito, notabilizando-se na região por suas extensas propriedades e rebanhos de criar, associando-se a muitos criadores locais. Contudo, um período de estiagem colocaria muitos pecuaristas em uma má situação, não sendo diferente com Juscelino e Antônia. Isso ocorreu na década de 1930, na ditadura do Estado Novo, atingindo forte e feio a todos os fazendeiros do Mato Grosso do Sul. Por exemplo, o tio de Tônica, Sebastião Garcia dos Santos teve imenso prejuízo na Fazenda Mimoso, propriedade com mais de 30.000 hectares, com empréstimos que realizou para comprar novilhas.
O criador, abismado com o acontecimento, não fugiu as suas obrigações, honrando com o pagamento ao Banco, mesmo com o perdão de Getúlio Vargas, tendo que vender a propriedade e comprar outra muito menor. Assim como Sebastião, Juscelino amargou pesadas perdas, sendo obrigado a negociar um pagamento com o seu sócio, levando a sangria financeira durante anos. Nesse período, Antônia passou a estar a par dos acontecimentos, passando a estar a frente da fazenda, assumindo uma posição de liderança.
Essa posição incomum, colocou-a a frente do seu tempo, era o seu zelo pela herança deixada pelos seus pais. Seu marido, contudo, passou a gerir um cartório de registros civis na fazenda, dando continuidade a sua atividade política local, fundando o distrito com o mesmo nome da propriedade, que se encontra hoje no município de Paraíso das Águas. Enquanto Juscelino zelava do seu cartório e dos interesses da família na política local, Antônia geria o latifúndio, colocando responsabilidades a seus filhos, para lhes ensinar o ofício de fazendeiro.
A sua figura era marcante, dançava muito bem, além de vestir-se de forma elegante nas festas e quando ia para Três Lagoas. Igualmente, seus filhos seguiam-lhe o exemplo, com belos ternos, destacando-se diante da sociedade local, marcada pelo ambiente rural e senhorial, de poucas famílias que há gerações uniam-se umas com as outras, dando para afirmar que no geral tratava-se de um extenso território controlado por uma descendência só. Obviamente, que os seus filhos seriam influenciados por essas relações, quando viessem se casar.
João Ferreira Guimarães e Oswaldo Ferreira Guimarães, foram os primeiros a formar família; o mais velho casou-se com uma prima de nome Adelaide Teodora dos Santos; enquanto o secundogénito, unir-se-ia a Valdelice Siqueira, filha de um abastado vizinho, proprietário da Fazenda São João. Esses casamentos seguiram o padrão local, com Oriolando Ferreira Guimarães, Urbano Ferreira Guimarães, Ivonilde Ferreira Guimarães e Odete Ferreira Guimarães, continuarem com o padrão nupcial de casarem-se com primos e parentes. Apesar disso, também houve exceções, como foram os casos de Pedro Aparecido Ferreira Guimarães e Ordalino Ferreira Guimarães, que preferiram construir o seus lares com mulheres que viviam nas redondezas, sem laços parentais ou de classe similar. Atemos ao facto de Juscelino Ferreira Guimarães Júnior e Gilson Ferreira Guimarães, não viverem na região, uniram-se a mulheres das localidades onde foram residir.
Com a maior parte decidindo fixar-se na fazenda, o casarão-sede tornou-se ponto de referência de encontro da família, com Antônia a acompanhar o crescimento da sua família passo-a-passo. Inclusive, casamento de netos, o aumento do rebanho dos seus filhos, e o aumento da riqueza patrimonial da família. Sua velha casa de pau-a-pique foi substituída na década de 1960 por uma casa de alvenaria, com quatro quartos, uma sala cumprida, varanda com espaço para jantar e almoçar, unindo as duas partes da casa. As janelas eram vitrôs, enquanto o chão era queimado de cor vermelha, com o teto coberto por telhas francesas, sem qualquer tipo de forro.
Apesar de moderna para a época e local, manteve-se a bica d'água e o galpão de madeira, e boa parte do que ainda era do século XIX.
Sede da Fazenda Pouso Alto, por volta do ano de 2010, a época residência de seu filho Urbano Ferreira Guimarães. Foto: Otacílio Aparecido Guimarães.
Sede da Fazenda Pouso Alto, onde residiu Antônia e Juscelino, ano de 2014, já com algumas alterações mais profundas. Foto: Rudi Matheus Resende Guimarães.
O tempo passou, Juscelino Ferreira Guimarães, deixou de ser o escrivão, passando seu cargo para outros. Seus filhos ganhavam cada vez mais autonomia financeira, discordavam da administração e ansiavam em receber a sua parte da herança. Para tal, nomeou-se Urbano Ferreira Guimarães, como procurador do casal, ficando a cargo de organizar a gestão da propriedade. Também, decidiu-se por antecipar a partilha dos bens, antes que algum dos dois falecesse. A ideia era bem simples, fugir aos altos impostos e encargos da inventariação, doando-lhes a fazenda em vida com usufruto vitalício.
Contratou-se um agrimensor, que prontamente executou o seu trabalho em dividir os 12.063 hectares que restavam da Fazenda Pouso Alto, cuidadosamente preservada por Antônia, que entendia o valor financeiro das terras e o seu futuro. Terminada a divisão e doação em 1979, em 1981 vai a óbito Juscelino, deixando Tônica em idade avançada a gerir a situação da propriedade. Por longos anos morou Antônia em seu casarão, chegando a viver consigo seu neto Sebastião Ferreira Guimarães e sua esposa Sônia Luzia de Siqueira, que lembra-se dela com muito carinho.
Quando já não dava para viver tão longe dos recursos médicos, mudou-se para a cidade de Três Lagoas, fundada por seu avô Antônio Trajano, residindo na casa de sua filha Ivonilde Guimarães, conhecida também por "Dica". Lá faleceu, em 2 de Julho de 1994, deixando ainda 240 cabeças de gado bovino para os seus filhos e netos dividirem.
Sua vida ficou marcada pela mãe e avó que foi, além de gestora e pioneira no zelo da escola primitiva do Pouso Alto, localizada anteriormente na fazenda. Fica essa homenagem da família a esta mulher exemplar, que muito nos orgulha, pelo seu papel exercido na região do Alto Sucuriú.
Rudi Matheus Resende Guimarães - É bisneto de dona Antônia Ferreira de Mello, historiador pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e mestrando em Estudos Medievais, na mesma instituição.
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